Bets usam juiz para manobrar Judiciário e escapar de controle do governo
Casas de apostas barradas pelo Ministério da Fazenda por estarem sob investigação policial adotaram estratégia de manobrar no Judiciário para conseguir um aval para operar sem se submeterem a requisitos exigidos pelo governo.
As investidas incluem direcionar ações a um juiz federal de Brasília com histórico de acolher demandas das bets. Em outra frente, empresas vão à Justiça para transformar em definitivas as autorizações provisórias requeridas dentro de processos administrativos já encerrados.
Em nota, as empresas afirmam que o governo não pode ter critérios próprios para declaração de inidoneidade das bets e a Seção Judiciária do Distrito Federal (SJDF) diz que a distribuição dos processos segue regras do regimento interno, mas não tem elementos para informar a concentração de casos com um único juiz (leia mais abaixo).
A estratégia mapeada pelo jornal O Estado de São Paulo já foi detectada pela Advocacia-Geral da União (AGU), que vê “abuso do direito de litigar” por parte de bets e aponta “estranheza” em decisões judiciais proferidas durante regime de plantão do Judiciário – em tese, restrito para análise de casos urgentes.
Os artifícios fazem com que casas de apostas posterguem ou não paguem diretamente ao governo os R$ 30 milhões de outorga cobrados de cada empresa regularmente autorizada. Com o atalho, elas também deixam de passar pela análise de certidões, histórico e certificações feita na Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), do Ministério da Fazenda.
Em nota, a secretaria afirmou que as empresas não autorizadas pela pasta “não conseguiram cumprir todas as exigências legais e infralegais criadas para garantir a segurança na exploração comercial dessa atividade” e que a concessão de autorização a elas por outro caminho “representa um risco à proteção dos apostadores e da economia popular”.
A reportagem analisou milhares de páginas de ações judiciais, recursos da AGU, processos administrativos do Ministério da Fazenda e investigações policiais em andamento e detectou esse tipo de manobra por três casas de apostas que reúnem 18 milhões de usuários: VaideBet, BetPix365 e ObaBet.
Os sites pertencem ao grupo BPX, que tem entre os sócios José André da Rocha Neto e Aislla Sabrina Rocha. Ambos foram alvo da Operação Integration, da Polícia Civil de Pernambuco, o que resultou em uma declaração de inidoneidade e um consequente veto do Ministério da Fazenda. A principal casa do grupo é a Vaidebet, ligada ao cantor Gusttavo Lima.
A estratégia das bets do BPX consistiu em empurrar uma ação judicial para o juiz Itagiba Catta Preta Neto, da 4ª Vara Cível da Justiça Federal do Distrito Federal, responsável pela liberação de pelo menos 13 dos 18 sites que foram barrados pelo Ministério da Fazenda.
Catta Preta deu duas decisões favoráveis ao BPX, em uma sexta-feira à noite e em um domingo de manhã, durante o regime de plantão da Justiça, apesar de o caso estar em tramitação regular com um “juiz natural”. Procurado, ele não comentou.
Desde outubro de 2024, os pleitos da BPX já haviam passado pelas mãos de outros quatro juízes federais de primeiro grau, em três processos distintos: Renato Coelho Borelli, Leonardo Tavares Saraiva, Sergio Wolney de Oliveira Batista Guedes e João Moreira Pessoa de Azambuja. Todos negaram os pedidos por não vislumbrarem urgência nem lastro para conceder liminares. Para a AGU, as ações variadas com pedidos repetidos são “abuso do direito de litigar”.
Uma nova ação da BPX para tentar destravar o bloqueio foi protocolada em 24 de janeiro e tramitou por duas Varas sem decisão favorável. Os advogados do grupo então apelaram ao plantão do Judiciário na noite de 7 de março, às 19h27. Catta Preta era o magistrado plantonista e, às 22h19, acolheu o pedido da empresa.
Na avaliação da AGU, trata-se de uma medida deliberada das empresas de apostas. Em recursos, o órgão afirma que a BPX trabalhou para forçar a análise por Catta Preta por causa do histórico dele em favor das bets em ações de outras empresas. “A partir do entendimento da 4ª Vara favorável às empresas, diversas delas buscaram direcionar as demandas àquele juízo”, destacou um parecer.
No dia seguinte à decisão do plantonista, às 14h51 de sábado, 8 de março, a empresa apresentou embargos de declaração (um tipo de recurso para esclarecer ou corrigir uma decisão) pedindo que mais oito pontos fossem contemplados. Entre eles, ganhar direito ao domínio bet.br, que identifica os sites autorizados pelo governo, e poder depositar os R$ 30 milhões não para a União, mas em juízo. Às 6h52 de domingo, dia 9, os pleitos foram atendidos por Catta Preta.